lunes, 8 de marzo de 2010

Soco no estômago

Esta manhã, enquanto voltava para a casa depois de um lindo final de semana no Rio de Janeiro, pensava sobre o que escreveria no post da segunda-feira. Achei que fosse falar do casamento do Pablo e do Miguel – que foi maravilhoso e emocionante –, que fosse falar da praia, do jantar que fizemos, até mesmo da experiência de voar pela primeira vez em um avião da Embraer. Pode ser que eu ainda escreva sobre tudo isso, mas algo que aconteceu hoje me chocou tanto que precisa sair de mim e muitas vezes só consigo me livrar de certas coisas quando escrevo sobre elas.
Hoje o meu aluno cancelou a aula na última hora e fui ao cinema assistir Os Inquilinos. No ônibus de ida para o cinema um cara me chamou atenção ao me pegar pela cintura. Eu me inclinei para guardar a carteira na bolsa, ele achou que eu estava caindo e tentou me segurar. Eu me assustei na hora, sobretudo depois de olhar para a cara do sujeito: ele era moreno e parecia uma pessoa normal, exceto pelo seu aspecto embriagado e olhos demasiado vermelhos. Disse a ele que não estava caindo e agradeci. Ainda fiz uma brincadeira em seguida porque de fato quase caí.
Depois desse ocorrido, comecei a prestar atenção na conversa desse homem com seus companheiros. Eram quatro, mas apenas um falava alto. Eu queria ter um gravador na hora para registrar aquela conversa. Vou tentar reproduzir aqui alguns trechos que consigo me lembrar:
- Mano, você viu lá na Avenida Sumaré morreram dois. Eu não sou doido de ficar dando mole lá na Sumaré. Outro dia eu vi o Peninha e o fulano lá tirado no chão. Morto. A polícia me perguntou se eu conhecia eles e falei que não. Não sou louco de falar que conheço os caras.
Enquanto ele falava, fiquei imaginando que se tratava de motoboys que morrem mesmo todos os dias ou de skatistas, sei lá. E continuei prestando atenção para entender do que se tratavam essas mortes. E mais uma parte do que consigo me lembrar:
- Mano, se você ficar dando mole lá na Avenida Sumaré, você vai morrer, velho! Você dá mole lá, nego te enche a cara de prego. Eu vi lá o Peninha e o fulano estirado na rua, a cara cheia de prego. E lá toda hora morre um!
Foi chocante escutar isso dentro de um ônibus, o dito transporte público, da boca de um sujeito claramente drogado que falava muito alto, não sei se para chamar a atenção ou por estar muito louco. Fiquei estupefata ao notar a violência tão perto, tão despida, tão natural, tão banal como um bate papo sobre futebol no ônibus de volta para a casa. Assusta-me muitas vezes perceber que vivo em uma bolha dentro de uma das cidades mais violentas do mundo, onde fico protegida não só da violência, com também da pobreza, da doença, da ineficiência das políticas públicas, dos ônibus lotados, do Sistema Público de Saúde. E lá fora, fora desta bolha cômoda e segura, está essa verdade nua e crua, escancarada para quem quiser ver.
Depois desse incidente, o filme Os Inquilinos – que, aliás, é imperdível – dá outro soco seco no estômago com mais um espetáculo cotidiano de violência nesta São Paulo fora da bolha, um verdadeiro universo paralelo povoado por gente boa e trabalhadora que sofre por não ter influência no terror que cerca e invade.
E pergunto-me: até quando vamos fingir que é possível continuar acolhidos dentro da bolha, como se nada do que acontece lá fora fosse da nossa conta? Até quando vamos assistir a violência da janela blindada dos nossos carros, como se fosse cena de filme? Até quando vamos suportar a culpa por ver tudo isso e ter consciência, mas continuar a não fazer nada para mudar? Falo por mim mesma, inclusive.
Fica aí esse desabafo manifesto que eu gostaria que provocasse pelo menos uma reflexão sobre o papel e a responsabilidade de cada um. Uma reflexão sobre o que podemos fazer para melhorar essa bagunça que nós seres humanos estamos fazendo no mundo. Acredito que cada um sempre pode fazer um pouquinho. Um mundo melhor para todos é a única solução.

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