viernes, 26 de febrero de 2010

Tudo se remenda - escrito em 03.03.09

Nesta madrugada o cartaz do filme Gilda que tenho colado sobre a cabeceira da minha cama caiu em cima de mim enquanto eu dormia. Numa atitude assim meio assustada, meio dormida, tentei despregar a parte de baixo do cartaz e acabei rasgando-o de fora a fora.
É um cartaz de papel, sequer o coloquei na moldura, mas tem um valor sentimental imenso. Flertei com ele num dia em que passeava com minha amiga Sonia pelas ruas do bairro Tribunal em Madrid. Entramos numa lojinha que vendia diversos artefatos com temas cinematográficos para dar uma olhadinha. Eu – que sempre soube que nunca existiu uma mulher como Gilda – comentei com a Sonia o quanto gostava daquele filme. Alguns meses depois, ela e o David me deram o cartaz de aniversário. Amei!
No dia em que eu voltava para o Brasil, depois de morar um ano em Madrid, sofri um pequeno acidente no taxi que me levava para o aeroporto e o cartaz quase se partiu ao meio, mas sobreviveu.
Quando me instalei neste quartinho maravilhoso, nesta casinha que tanto gosto, coloquei Gilda velando meus sonhos. Os resquícios do acidente ficaram quase imperceptíveis e até faziam parte do glamour dessa peça.
Eu fiquei tão chateada quando percebi o estrago que tinha feito no cartaz que nem quis pensar no assunto. Fui trabalhar logo cedo e só voltei a me lembrar dele quando voltei para casa, bem tarde. Contei para a minha amiga o que tinha acontecido e disse a ela: Uai, vou colar, né?! Tudo se remenda! E fui consertar o cartaz com o maior capricho, tentando esconder as marcas ao máximo. Colei com fita adesiva no verso e na frente colori com caneta preta as linhas brancas que se destacavam no fundo escuro. Agora que está escuro, a cicatriz quase não aparece. Vamos ver o que acontece quando o dia clarear.
E fica aqui a pergunta: será mesmo que tudo se remenda? Se é mesmo um remendo, estamos assumindo que já não mais será igual. Será costurado, colado, consertado, terá manchas, cicatrizes, rachaduras. E, pensando bem, acho que a vida é mesmo assim. Cada rasgo no coração ou cada corte no pé vão virando sinais dos reparos que temos que fazer. E esses remendos tornam-se parte da nossa história que no final acaba formando uma imensa colcha de retalhos.

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